23.04.25 | Datas 3g3y6e

“Quando o ‘nunca mais’ bate à porta” 1z5x5l

Em artigo em O Estado de S.Paulo desta quarta-feira (23), a ex-diplomata Revital Poleg lembra o dia da rendição da Alemanha nazista e alerta que a data é um lembrete para a necessidade cada vez maior de lembrarmos o Holocausto, diante do aumento alarmante de casos de antissemitismo. ”No cenário global, a situação segue complexa. O Relatório Anual sobre o Antissemitismo de 2024, da Organização Sionista Mundial com a Agência Judaica, aponta aumento de 340% em incidentes antissemitas no mundo, comparado a 2022. São ondas antissemitas em universidades prestigiadas, na mídia, especialmente nas redes digitais, em espaços públicos, ambientes profissionais e até instituições internacionais oficiais, em agressões físicas a judeus, inclusive, israelenses, e em ataques a instituições judaicas”. Segue a íntegra do texto:

O Dia da Lembrança do Holocausto e do Heroísmo, celebrado em 23 de abril, em 2025, ocorre no marco dos 80 anos da rendição da Alemanha nazista. Contudo, a data não mais se assemelha às cerimônias de recordação anteriores. Para a maioria da sociedade israelense e muitos nas comunidades judaicas na diáspora, Iom HaShoá ou a carregar, desde o ataque de 7 de outubro, uma camada adicional de significado: dolorosa, devastadora e impossível de ignorar.

Imagens daquela época de novo se tornaram realidade no ataque cruel do Hamas. As cenas de violência ficaram gravadas na memória coletiva não como uma sombra do Holocausto, mas como uma nova dor que abala a sensação de segurança básica numa nação nascida das cinzas do Holocausto, com o compromisso inabalável de que “nunca mais”.

Este Dia da Lembrança do Holocausto vira um lembrete profundo do que realmente importa na vida. Voltamos às histórias dos sobreviventes, não apenas para lembrar e homenagear, mas para buscar nelas sentido, força, sabedoria e inspiração. É nesse ponto de encontro entre as memórias do ado e os dilemas urgentes do presente que se impõe a questão: o que aprendemos e como transformamos essas lições em escolhas morais no mundo de hoje?

A pergunta nasce da dor, mas também do nosso dever moral como sociedade. Terão as lições do Holocausto se tornado guias de valores ou apenas slogans? Aprendemos a nos perguntar como protegemos nossa existência física e nossos valores? Como manter o caráter singular do projeto sionista sem renunciar à consciência?

Neste contexto, não se pode ignorar as tendências preocupantes no sistema político israelense: o apoio público dado a representantes de partidos de extrema direita da Europa durante a Conferência Internacional contra o Antissemitismo, realizada recentemente em Jerusalém sob o patrocínio do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, representa um paradoxo moral gritante.

O mesmo vale para a sua “renúncia seletiva” durante sua última visita à Hungria: embora tenha mencionado o Holocausto e visitado o memorial “Sapatos às margens do Danúbio”, evitou fazer referência ao extermínio dos judeus húngaros e à responsabilidade direta de Miklós Horthy, então líder do país, pela deportação e assassinato sistemático de mais de 400 mil judeus.

Não devemos tratar tal escolha deliberada e consciente com indiferença. É impossível não notar o contraste ensurdecedor entre a decisão de visitar o memorial em Budapeste e a recusa contínua de Netanyahu em visitar o Kibutz Nir Oz, devastado no ataque do Hamas, mesmo com repetidos apelos dos sobreviventes do massacre. Trata-se de uma escolha política, vista como um distanciamento consciente de sua parte ou até uma minimização da memória da tragédia vivida por esta comunidade.

No cenário global, a situação segue complexa. O Relatório Anual sobre o Antissemitismo de 2024, da Organização Sionista Mundial com a Agência Judaica, aponta aumento de 340% em incidentes antissemitas no mundo, comparado a 2022. São ondas antissemitas em universidades prestigiadas, na mídia, especialmente nas redes digitais, em espaços públicos, ambientes profissionais e até instituições internacionais oficiais, em agressões físicas a judeus, inclusive, israelenses, e em ataques a instituições judaicas.

Muitos desses incidentes se apresentam sob o disfarce de “crítica política” a Israel. Mas, na prática, combinam elementos de antissemitismo clássico com um anti-israelismo extremo, confundindo fronteiras e revelando profunda hostilidade contra a comunidade judaica.

A memória do Holocausto, por si só, já não funciona como um escudo protetor contra tais fenômenos. Em alguns casos, inclusive, é vilipendiada, como parte de um processo alarmante de erosão dos valores morais universais e históricos moldados após o Holocausto.

É preciso ar da preservação da memória à memória ativa. Os desafios atuais exigem respostas novas, mais firmes e claras, ajustadas à realidade. Isso se torna ainda mais necessário à medida que a lembrança do Holocausto se dissipa com o tempo e o número de sobreviventes diminui.

No plano internacional, além de seguir com o combate ao ódio e à negação do Holocausto, é essencial renovar parcerias e atualizar práticas voltadas à preservação da memória, em especial nos sistemas educacionais, com linguagens, mídias e formatos contemporâneos que dialoguem com as novas gerações. As mensagens devem ressaltar o caráter universal do Holocausto como um imperativo moral da humanidade, não apenas como uma tragédia do ado nem como uma questão judaica, mas como um alerta e uma bússola ética para o presente e o futuro.

Em paralelo, devemos atuar em nossa própria casa. É nosso dever assegurar que nossas exigências se reflitam em nossos atos: a manutenção de uma postura moral clara e coerente; a proteção dos direitos humanos; a defesa dos direitos das minorias; e o fortalecimento da democracia.

Quem, se não nós, o povo judeu, que carrega em sua história as cicatrizes e as lições do Holocausto, sabe quão profundamente a realidade pode ser abalada? E quem, se não nós, especialmente após o 7 de outubro, entende que tudo isso não é uma teoria abstrata, mas uma convocação urgente à responsabilidade? Aqui e agora.

Revital Poleg, israelense, diplomata aposentada, colaboradora do Instituto Brasil-Israel, trabalhou com Shimon Peres durante os Acordos de Oslo.


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