24.02.25 | Mundo 1212c
“A irreverência de Trump” b6t5t
Em artigo em O Estado de S.Paulo nesta segunda (24), o professor e diretor acadêmico do StandWithUs Brasil, Samuel Feldberg, comenta a proposta do presidente americano, Donald Trump, para Gaza e cita a ex-parlamentar israelense Einat Wilf, que expôs plano semelhante em seu livro A Guerra do Retorno. Diz ela: “Não haverá solução para a questão palestina enquanto sua liderança mantiver a demanda irredentista de instalação desta população em território israelense. Parcela significativa dos habitantes da Faixa de Gaza não almeja a solução de dois Estados e uma vida próspera no território. Consideram a sua situação temporária e aguardam a destruição de Israel para se apossar do espólio, como pretendiam seus líderes em 1948”. Segue a íntegra do texto:
O presidente Donald Trump teve a coragem de dizer, espontaneamente e em poucas palavras, aquilo que a ex-parlamentar israelense Einat Wilf expôs detalhadamente em seu livro A Guerra do Retorno.
Egito e Jordânia, os destinos mencionados por Trump, reagiram com indignação, negando-se a reconhecer que, há mais de 70 anos, foram os responsáveis pela tragédia palestina. Se não tivessem atacado o recém-criado Estado de Israel, não teria havido nem guerra nem refugiados.
A Faixa de Gaza certamente não será esvaziada; os egípcios a controlaram por quase 20 anos, mantendo os habitantes sob governo militar e em condições miseráveis. E querem distância do fundamentalismo islâmico praticado pelo Hamas. A Jordânia – Estado falido praticamente desde sua fundação, em território roubado ao Mandato – reconheceu há décadas que a questão palestina representa uma ameaça existencial.
O que a proposta de Trump nos traz é uma ideia que soa absurda, mas que representa a alternativa a uma intransigência por parte dos palestinos e dos países árabes que não reconhecem a realidade da região. A resposta espasmódica é um desserviço para a causa daqueles que querem perpetuar o dilema dos assim chamados refugiados palestinos.
Estes, “se desejam ficar no território e estão conectados a ele”, deixam de ser refugiados e, portanto, deveriam deixar de ser atendidos pela Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla em inglês) e receber tal denominação. E, se já não são refugiados, não há razão para não aceitar a existência de Israel como lar soberano e local da legítima autodeterminação do povo judeu.
E, ainda que não exista lógica viável na demanda de Trump, os Acordos de Abraão também pareciam inviáveis quando foram propostos, e levaram ao abandono temporário da ideia de anexar o Vale do Rio Jordão em troca da normalização. Esta sugestão atual tão irreverente, uma ideia totalmente fora da caixa, choca pelo seu absurdo, mas talvez crie espaço para negociações que impliquem a eliminação do Hamas como um ator relevante na região e a disposição de atores relevantes a um protagonismo proativo. Desde que os palestinos estejam dispostos a conviver em paz.
A combinação de uma ideia chocante, do estrangulamento da UNRWA e da destruição da capacidade militar do Hamas talvez abra o caminho para uma alternativa viável. E a alternativa viria acompanhada de uma aproximação entre Israel e a Arábia Saudita, num momento de vulnerabilidade iraniana, que provavelmente garantiria a reeleição do primeiro-ministro Netanyahu, sem sua submissão às chantagens dos partidos de extrema direita. Geopolítica regional turbinada com política interna israelense.
Samuel Feldberg é diretor acadêmico do StandWithUs Brasil, doutor em Ciência Política pela USP, professor de Relações Internacionais, é pesquisador do Centro Moshe Dayan da Universidade de Tel Aviv e fellow em Israel Studies da Universidade de Brandeis.