07.01.25 | Mundo 3f1w40

"Há uma antiga corrente antissemita não apenas na extrema direita, mas também na esquerda", diz Gérard Biard, redator-chefe do Charlie Hebdo 2x1co

Em entrevista à Folha online, publicada no dia 06/01, Gérard Biard, 65, redator-chefe há duas décadas do semanário satírico francês 'Charlie Hebdo', criado em 1970 e conhecido pelas recorrentes piadas com religião, fala, entre outros assuntos, sobre o lançamento de "Charlie Liberté", livro que retraça a carreira dos oito profissionais do veículo que foram vítimas do atentado de 7 de janeiro de 2015. 

Biard escapou da morte porque estava de férias, quando dois homens armados invadiram a redação do semanário em Paris, revoltados com charges ridicularizando o profeta do islã, Maomé.  Segundo relatos dos sobreviventes, eles disseram que representavam um braço da organização terrorista Al Qaeda e que queriam vingar o seu profeta. Entre os mortos, estavam repórteres e funcionários da publicação.

Leia a seguir trechos da conversa de Biard com o repórter André Fontenelle:

Vocês ainda recebem ameaças?
Hoje em dia, quem não recebe ameaças">Basta estar nas redes sociais ou olhar meio torto para alguém na rua e pronto. As ameaças se tornaram uma interação social quase banal. A única diferença, no nosso caso, é que sabemos que às vezes uma ameaça pode se tornar realidade. Portanto, tratamos algumas com mais seriedade do que outras. Mas confiamos que as pessoas encarregadas de avaliar o nível de ameaça o façam adequadamente.

Dez anos depois, o sr. acha que a intolerância aumentou ou diminuiu?
Na Europa, os tribunais aram a ter uma concepção muito mais ampla da liberdade de expressão. Mas, paradoxalmente, aumentou ainda mais a tensão na sociedade, por causa das redes sociais, que estão criando uma sociedade totalmente individualista. Nelas, as pessoas só falam sobre si mesmas, não sobre os outros. Isso não é nada social; pelo contrário, é totalmente associal. Os algoritmos nos ajudam a encontrar só quem concorda conosco. Assim que você expressa uma opinião diferente, pode ser confrontado por alguém que diz: "Você não me respeita." Mas viver em sociedade significa aprender a tolerar muitas coisas, ser um adulto. Caso contrário, você continua sendo uma criança em uma bolha.

E nesse mundo, qual é o papel do Charlie Hebdo, que sempre foi um jornal provocador?
Não é um jornal provocador. É um jornal que usa a sátira e a caricatura. A sátira não foi criada para agradar ninguém. É uma ferramenta jornalística. As charges e caricaturas da imprensa são ferramentas jornalísticas. Também são usadas para mostrar um indivíduo, um fenômeno social ou um evento atual sob uma luz que não percebemos necessariamente no início. É outra maneira de ver as coisas. E de entender o mundo. É isso que Charlie faz.

Mesmo correndo o risco de ser mal interpretado?
Historicamente, Charlie sempre foi incompreendido. Especialmente por aqueles que não querem entender. Ou que não o leem. Esse também é um dos principais problemas atuais: uma caricatura publicada na imprensa é retirada do contexto nas redes sociais e, às vezes, apropriada indevidamente. Fundamos uma associação chamada "Desenhe, Crie, Liberdade". Vamos às escolas de ensino médio explicar aos alunos o que é caricatura, o que é liberdade de expressão e o que são charges satíricas. Como cada vez menos jornais publicam charges, em todo o mundo, as pessoas estão cada vez menos acostumadas a entendê-las.

É uma forma de perpetuar a memória das vítimas de 7 de janeiro de 2015?
O primeiro objetivo do livro que lançamos é desmentir os dois terroristas que saíram das redações em 7 de janeiro de 2015 gritando: "Matamos Charlie Hebdo!". Não, eles não mataram o Charlie Hebdo, nem mataram os cartunistas que alvejaram, nem as pessoas que morreram no ataque. Porque os desenhos deles são relevantes ainda hoje. As questões que eles abordam ainda são questões com as quais lidamos hoje.

Na França, a esquerda quer tirar do Código Penal o crime de "apologia do terrorismo". Como o sr. vê essa questão?
O problema é que a definição de apologia do terrorismo foi ampliada, por exemplo, para o ecoterrorismo, que pessoalmente não acho terrorismo. Mas parte da esquerda está pedindo isso com segundas intenções. Há uma antiga corrente antissemita não apenas na extrema direita, mas também na esquerda. Mas não cabe aos jornalistas nem aos ativistas definir o que é genocídio. Cabe aos juízes. No momento, há uma suspeita de que Binyamin Netanyahu cometeu crimes de guerra. Por outro lado, não há dúvida de que o Hamas cometeu terrorismo em outubro de 2023. Massacrar civis pacíficos, que estavam entre os mais pacíficos e pró-palestinos da população israelense, e telefonar para a mãe dizendo "Mamãe, matei uns judeus hoje" não é um ato de resistência. É outra coisa. Então é assim que chamamos em Charlie. Não é preciso chamar Netanyahu de nazista para dizer que ele é um criminoso. É isso que estamos tentando fazer, o que é difícil de explicar hoje em dia quando se é um jornal de esquerda.

É um jornal ateu, também?
Sim, é um jornal ateu. Nosso fundador, François Cavanna [1923-2014], dizia: "É o jornal da razão contra todos os dogmas, políticos ou religiosos". É isso que a gente tenta fazer toda semana: privilegiar a razão. E a realidade. Não estamos procurando a verdade. Estamos tentando contar a realidade. Aliás, esse deveria ser o trabalho de todo jornalista.

 


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