21.10.24 | Notícias 42xv

"É mais fácil ser negro em Israel do que no Brasil" d4665

Após recente visita a Israel, o comunicador João Torquato, analista de comunicação do Instituto Brasil-Israel, conta em artigo no jornal O Globo como se sentiu confortável, sendo um homem negro, nas cidades israelenses por onde ou, em contraponto à sensação de medo que o acompanha rotineiramente nas ruas da capital paulista.  Leia a seguir:   

A Abolição da Escravidão no Brasil aconteceu há mais de um século, 136 anos especificamente, e, independentemente de qual seja o campo político a que você pertença, é inegável que o sequestro de milhões de homens e mulheres do continente africano para ser usados como mão de obra escrava nos ciclos econômicos que ajudaram a moldar a economia brasileira trouxe danos ao povo negro brasileiro até hoje. Mesmo após a Lei Áurea, a classe dominante brasileira não considerava o negro recém-liberto apto a exercer qualquer função de trabalho. Os negros foram jogados à própria sorte, forçados à informalidade e à margem da sociedade.

Infelizmente, além da disparidade salarial, desemprego, condições precárias de moradia e tantas outras mazelas, a violência policial é um dos piores legados da escravidão em nosso país. Como tantos outros jovens negros, ei a vida inteira ouvindo da minha mãe para não usar capa na rua, não andar com as mãos no bolso e jamais sair sem documento. O medo da violência policial muitas vezes me impediu de sair de casa e viver uma vida normal. Como judeu, me veio a questão: a negritude em Israel seria semelhante?

Em minha primeira viagem a Israel, pude responder a esse questionamento. Além das conexões religiosas, políticas e históricas com o país, minha experiência enquanto homem negro foi uma das mais impactantes dessa jornada. Mesmo com a narrativa de Israel ser um país branco e racista, com tranquilidade digo que me senti muito mais seguro lá em comparação ao Brasil. O sentimento de medo que me acompanha quase diariamente ao sair nas ruas de São Paulo era inexistente em Tel Aviv, Harish, Lod, Petah Tikva e tantas outras cidades israelenses por onde ei.

Outros amigos negros que moram em Israel compartilham a mesma sensação, inclusive um não judeu, que mora há mais de dois anos em Tel Aviv. Ele também relata que a experiência racial no país está muito distante da triste realidade enfrentada no Brasil e que, assim como eu, quando comenta esse cenário com conhecidos brasileiros, muitas vezes é acusado de blackwashing. Para parte do campo progressista brasileiro que sustenta a narrativa de Israel ser um país branco e europeu, a experiência individual de um homem negro é inválida. São pessoas que gozam do privilégio da branquitude no Brasil e praticam uma das formas mais brutais de racismo, a anulação da subjetividade do sujeito, como se um negro não fosse capaz de formular suas próprias crenças e percepções por meio de sua experiência individual. Para eles, sempre existe um agente externo moldando e manipulando o pensamento de um sujeito negro.

É importante ressaltar que, apesar da mobilização da sociedade israelense para a inclusão dos judeus negros, essa comunidade ainda enfrenta desafios e lutas no país. Como noutros países, pessoas negras têm mais dificuldade de participação e representação na vida pública, bem como para conseguir empregos. Habitam as periferias e, com alguma frequência, são alvo de racismo e violência policial. Para citar um exemplo, em 2019 judeus etíopes protestaram em resposta à morte de Solomon Teka, de 18 anos, em Kiryat Haim, vítima da polícia.

Apesar disso, a situação do negro em Israel está muito distante da realidade brasileira. Enquanto lá a comunidade negra está cada vez mais integrada à sociedade, no Brasil ainda se discute, com frequência, a importância de leis de políticas afirmativas, mesmo sendo o país com o maior número de negros fora do continente africano.

Ao regressar dessa primeira viagem a Israel, ampliei o orgulho que sinto de minhas múltiplas identidades. Inspirado pela mobilização da sociedade civil israelense, volto com o objetivo de continuar a luta contra o racismo no Brasil e no mundo.

*João Torquato, militante do movimento negro, é analista de comunicações do Instituto Brasil-Israel e apresentador do podcast “E eu com isso?”


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